domingo, 20 de abril de 2014

A Bíblia apela ao vegetarianismo

Como muitos portugueses recebi uma educação assente nos ensinamentos propagados pela religião católica, mas à medida que me fui apercebendo das suas evidentes incoerências, foi-se tornando inevitável questioná-los. Se a Igreja Católica apela à espiritualidade, ao não-materialismo, à compaixão, ao espírito de entrega, ao amor, porque não o praticam os seus representantes? Por que motivo o Vaticano possui e não abdica da sua fortuna em ouro e peças de arte, canalizando as receitas para ajudar os mais necessitados e injustiçados? Se Cristo, segundo reza a história, era absolutamente contra a exploração da fé, como se justifica que o Vaticano possua um banco(!) e que, por exemplo, em Portugal, exista um local alegadamente dedicado ao culto da espiritualidade – o Santuário de Fátima - cuja denominação mais fiel seria “Centro Comercial de Fátima”? São apenas algumas questões antigas às quais, recentemente, se juntou mais uma: porque se alimentam de carne os cristãos se a Bíblia apela a uma alimentação vegetariana?


"Pitágoras promove o vegetarianismo" - Peter Paul Rubens/Frans Snyders
Sérgio Greif, licenciado em Biologia pela Unicamp, onde concluiu o mestrado em Alimentação e Nutrição Humana, levou a cabo uma interessante investigação sobre uma das maiores incongruências transmitidas pelas religiões cristãs. A sua pesquisa, a par com a de outros investigadores, constatou que os textos bíblicos têm sido “convenientemente” adulterados, por meio de erros de tradução e interpretações dúbias, consoante os interesses e dogmas de cada instituição religiosa.
                                                                                             
O nosso conceito especista que nos coloca numa posição de domínio sobre a Natureza e os animais, atribuindo-nos divinos direitos de exploração sobre estes, tem por base algumas passagens da Bíblia, as quais, Sérgio Greif - que além de biólogo, domina a língua hebraica - afirma estar mal traduzidas. Por exemplo, em Génesis 1:26 lê-se a seguinte tradução do hebraico: “Então disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam sobre a terra.” - Segundo o pesquisador, no texto original lê-se a palavra yirdu que tem sido traduzida como “ter domínio”, quando a sua tradução correcta seria “desça”. Ainda que fosse a intenção do autor, transmitir a ideia de domínio sobre a criação, a palavra apropriada seria shalthanhon mas nunca yirdu que sugere uma interpretação diferente: “Então disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; desça ele aos peixes do mar, às aves dos céus, aos animais domésticos, a toda a terra e a todos os répteis que rastejam sobre a terra.”-

Greif deparou-se com mais erros de tradução no versículo de Génesis 1:28 que vem habitualmente traduzido da seguinte forma: “E abençoou-os Deus e lhes disse: fecundai-vos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo o animal que rasteja pela terra.” - Novamente, a palavra “desça” aparece traduzida como “domine” e a que surge neste versículo como “sujeitai-a” é a palavra kibshah, que significa “preservar”. Mas fosse de facto a intenção do autor transmitir a ideia de “sujeitar”, teria usado a palavra hichriach. Deste modo, a tradução literal deste versículo seria: “E abençoou-os Deus e lhes disse: fecundai-vos, multiplicai-vos, enchei a terra e preservai-a; descei à condição dos peixes do mar, das aves dos céus e de todo o animal que rasteja sobre a terra.”

O sexto dia da criação - Génesis 1:26
De acordo com uma tradução mais fiel, podemos interpretar que a intenção manifestada nos versículos anteriores seria demonstrar que Deus criou o ser humano à sua imagem, revelando-se como parte integrante da Natureza e não como o seu legítimo explorador. Ideia igualmente suportada em Eclesiastes 3:18-21 –Disse no meu coração: é por causa dos filhos dos homens, para que Deus o prove e eles vejam que são em si mesmo como os animais.  Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais, pois tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão.”

No período das dez primeiras gerações do livro de Génesis o ser humano praticava uma alimentação vegetariana, demonstrando que não era a intenção original de Deus que o ser humano matasse animais, nem para se alimentar: Génesis 1:29 – “E Deus disse: Eis que vos entrego todas as plantas que dão semente sobre a terra, e todas as árvores que produzem fruto com a sua semente, para vos servir de alimento.”

A Bíblia relata alguns períodos nos quais era permitido ao ser humano alimentar-se de produtos de origem animal, mas apenas quando as condições ambientais o forçavam. Contudo, esses períodos vêm sempre seguidos de outros em que Deus demonstra novamente a intenção de tornar o ser humano vegetariano. As escrituras contam que quando os israelitas saíram do Egipto, o plano de Deus era que aquele povo recém liberto da escravidão vagueasse no deserto pelo tempo necessário até se purificar. Foi-lhes então dado um alimento que caia do céu (manah) que era como “semente de coentro branco e de sabor como bolos de mel.” (Êxodo 16:31, Números 11:7) - Alimento simples, mas completo nutricionalmente, deveria sustentá-los pelo tempo que permanecessem no deserto (40 anos), pois em Êxodos 16:35 está escrito: “E comeram os filhos de Israel manah quarenta anos, até que entraram em terra habitada; comeram manah até que chegaram aos limites da terra de Canaã.”

No entanto, durante a travessia do deserto, alguns incidentes ocorreram. As pessoas começaram a reclamar da sua dieta puramente vegetariana, Números 11:6 – “Agora, porém, seca-se-nos a alma, e nenhuma coisa vemos senão este manah.” - Insistindo que lhes fossem novamente dados os alimentos que consumiam no Egipto – carne, peixes, leite, entre outros. (Números 11:4-5) - Deus atendeu às reclamações, providenciando carne sob a forma de codornizes, que “foram sopradas pelos ventos dos mares”, contudo, imediatamente a seguir, Deus puniu as pessoas por não aceitarem de bom grado o alimento perfeito que lhes oferecera: Génesis 11:33 – "Quando a carne estava entre os seus dentes, antes que fosse mastigada, acendeu-se a ira do SENHOR contra o povo, e feriu o SENHOR, o povo com uma praga mui grande."

A zona onde ocorreu este incidente foi batizada como “Kivrot Hataava” ou as “Tumbas da Luxúria”, uma vez que foram a gula e a luxúria daquele povo e não a sua necessidade, que o levou à morte - (Números 11:34).

Não são poucos os exemplos de que a Bíblia apela ao respeito pela vida dos animais - Êxodo 20:13 - "Não matarás.”; Isaías 66:3 -Quem mata um boi é como o que tira a vida a um homem; quem sacrifica um cordeiro é como o que degola um cão (…)”; Levítico 3:17 - "Este é um decreto perpétuo para as suas gerações: onde quer que vivam não comam gordura alguma nem sangue algum."; Salmos 145:9 - ”O Senhor é bom para todos e as suas misericórdias estão sobre todas as suas criaturas.”; Provérbios 12:10 - "O justo olha pela vida dos animais.”; Oseias 6:6 - "Pois misericórdia quero e não sacrifícios; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos.” – porém, apesar de se ler claramente um forte incentivo a uma alimentação vegetariana e, por outro lado, uma veemente condenação pelo maltrato e morte de animais, assim como a oblações por meio de sacrifícios, outras passagens há em que talvez um olhar menos atento possa conduzir a uma interpretação inversa. À semelhança do incidente dasTumbas da Luxúria”, Deus, pelo princípio do livre arbítrio, vai fazendo concessões, sendo que estas surgem sempre associadas a pragas, doenças, condenações ou a demasiadas restrições impostas, por forma a tornar praticamente impossível o consumo de carne.


"Jardim do Éden" - Jan Brueghel, o Velho

Creia-se ou não na legitimidade da Bíblia como prova da existência de Deus, não podia estar mais de acordo com esta ideia. Tendo o ser humano a opção de seguir uma dieta livre de crueldade e sendo esta mais saudável, do ponto de vista ético não conheço um único motivo para nos alimentarmos da carne de animais. E os crentes, onde encontrarão justificação para sujeitar os animais a pungente sofrimento e morte? Na Bíblia não será.





Fontes:

https://www.vista-se.com.br/a-biblia-preconiza-o-vegetarianismo/
http://vidavegg.blogspot.com/2008/12/bblia-preconiza-o-vegetarianismo-srgio.html?m=0













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