Professores universitários e especialistas em psicologia cognitiva e neurociência, descobriram que a resistência humana a novas informações deve-se fundamentalmente a um mecanismo de defesa processado pelo nosso cérebro. Este, quando confrontado com dados dissonantes dos preexistentes na nossa memória, ou seja, com informação que não se coadune com a que esperamos ou desejamos, activa de imediato um processo de rejeição que nos induz instintivamente a descartar o que acabámos de ver, ouvir ou ler.
Um pouco de História...
Em 255 a.C., há mais de dois mil anos,
numa época em que ainda se pensava que o planeta Terra era plano, Eratóstenes
(filósofo, matemático e geógrafo grego), ao ler um papiro numa biblioteca em
Atenas, encontrou a informação de que na cidade de Siena (actualmente chamada
de Assuão), a cerca de 800 km a sul de Alexandria, ao meio dia, do dia 21 de
Junho (solstício de Verão), podia observar-se o fundo de um poço iluminado pelo
Sol, ou seja, o Sol situava-se a prumo iluminando toda a área dos objectos e
deste modo não havia sombras.
Eratóstenes resolveu então verificar o
que aconteceria no mesmo dia do ano, à mesma hora, mas noutro local.
Chegada a data, pôde constatar para sua surpresa que ao contrário de Siena, em
Alexandria, as colunas e edifícios gregos projectavam sombras, o que indicava
um desvio de alguns graus relativamente ao ângulo de incidência dos raios
solares.
Esta observação levantou-lhe uma questão: Porque haveria sombras apenas num
dos locais, no mesmo dia e à mesma hora? Eratóstenes intuiu correctamente:
porque a Terra não é plana. Se assim fosse, as sombras seriam necessariamente
iguais independentemente do local, uma vez que a fonte de luz tem uma massa
consideravelmente superior à da Terra.
Reza a História que Eratóstenes terá
mandado um escravo medir a passo a distância entre Siena e Alexandria e após
analisar os dados, calculando a distância entre os dois locais relativamente ao
ângulo de incidência dos raios solares em Alexandria, concluiu que a Terra além
de redonda era também esférica. Mas não se ficou por aqui. Continuando a
utilizar métodos de cálculo simples, determinou o raio e o diâmetro do nosso
planeta com uma precisão superior a 90%.
Não acreditaram em Eratóstenes...
Foi uma descoberta grandiosa, sobretudo
pelos métodos utilizados, mas ao contrário do esperado, Eratóstenes
não foi bem sucedido na sua revelação. A comunidade intelectual não aceitou uma
ideia tão revolucionária e que punha em causa a sua crença tão afincada: a
Terra era plana e esse era o pensamento comum. A revelação de Eratóstenes foi descartada
e o próprio desprezado, acabando por envelhecer e morrer só. Mais tarde, outros
que o seguiram e que também o tentaram afirmar foram obrigados a negá-lo para
escapar à morte na fogueira.
Tal como o filósofo John Locke disse:
"Novas opiniões são sempre suspeitas e geralmente descartadas, apenas pelo
facto de não serem comuns.” - A veracidade desta afirmação tem-nos sido
demonstrada ao longo dos séculos, desde o início da História até aos nossos
dias. Mas então o que limita a nossa vontade e capacidade de absorver novas
ideias, justamente quando temos a intenção de transformar e evoluir? Como
podemos aprender a reconhecer a nossa própria intolerância quanto a ideias que
refutam as nossas crenças vigentes e opiniões?
É complicado responder a estas questões,
mas como resultado de uma pesquisa realizada pela Universidade de Yale, a
neurociência, a psicologia social e a antropologia, oferecem-nos agora a
possibilidade de combater as barreiras que coíbem a mudança das nossas próprias
mentes e comportamentos.
1ª Experiência: Tendência natural ou coincidência?
Dr. Donald Braman, um professor
universitário premiado por diversas áreas da ciência, nomeadamente a
antropologia, liderou esta pesquisa, denominada “The Cultural Cognition Project” ou Projecto de Cognição Cultural.
Para ele tornou-se essencial verificar se o ser humano é de facto naturalmente
reticente à mudança ou se os inúmeros relatos históricos que o demonstram, como
por exemplo o de Eratóstenes, seriam apenas infelizes acasos coincidentes.
Para o efeito e de modo a realizar a
experiência, considerou que necessitava de pessoas pertencentes a dois grupos
regidos por valores sócio-culturais distintos: um grupo de pessoas com um
sentido individualista e outro com sentido comunitário. Recrutados os
voluntários, a equipa de investigação deu início à experiência.
Na primeira fase, foram fornecidas a
ambos os grupos, informações simples e precisas referentes a alterações
climáticas e outras de carácter científico, mas que não fizessem parte do domínio
de conhecimentos dos participantes. Na segunda fase, os voluntários teriam
apenas de emitir as suas opiniões relativamente à informação apreendida.
Voluntários descartaram a informação fornecida...
De acordo com Braman, a informação
científica que as pessoas de ambos os grupos receberam, não teve qualquer
impacto na formulação das suas ideias. As opiniões emitidas basearam-se
essencialmente em pensamentos preconcebidos somente apoiados em juízos de
valor, ou seja, ideias e conceitos que estavam previamente presentes nas suas
memórias. A equipa de investigação verificou apenas uma diferença entre a emissão
de opiniões dos dois grupos. O grupo de pessoas com sentido individualista
apresentou juízos de valor na sua maioria negativos ou depreciativos, enquanto
o grupo de pessoas com sentido comunitário demonstrou particular tendência para
salientar os aspectos positivos dos assuntos. De qualquer modo, ambos os grupos
ignoraram os dados científicos referentes aos temas sugeridos e debatidos na
experiência.
Dr. Donald Braman concluiu assim que as
percepções da sociedade em geral são mais moldadas por crenças culturais do
que, por exemplo no campo da ciência, por dados científicos. Tal como a
História do Mundo nos tem vindo a revelar ao longo dos tempos...
2ª Experiência: Por que motivo a mente rejeita novas opiniões?
A experiência de Braman mostrou-nos apenas que
vigora uma tendência natural para o ser humano rejeitar opiniões e até mesmo
factos que contrariem as suas ideias preconcebidas, mas o motivo pelo qual a
mente humana reage deste modo, foi-nos desvendado por Kevin Dunbar e Jonathan Fugelsang.
Ambos professores universitários,
especialistas em psicologia cognitiva e neurociência, descobriram que a
resistência humana a novas informações deve-se fundamentalmente a um mecanismo
de defesa processado pelo nosso cérebro. Este, quando confrontado com dados
dissonantes dos preexistentes na nossa memória, ou seja, com informação que não
se coadune com a que esperamos ou desejamos, activa de imediato um processo de
rejeição que nos induz instintivamente a descartar o que acabámos de ver, ouvir
ou ler.
Kevin e Jonathan desenvolveram uma
experiência semelhante à de Donald Braman, acima relatada, mas com uma
componente mais tecnológica do que cultural.
De igual modo foram recrutadas pessoas
sendo-lhes transmitidas informações simples e precisas, subordinadas a temas
que não se integrassem no conhecimento geral. Mas desta feita, a actividade
cerebral dos participantes era monitorizada por aparelhos de ressonância
magnética para permitir aos pesquisadores identificar que regiões do cérebro
seriam estimuladas. À medida que a informação lhes era transmitida, Kevin e
Jonathan verificavam actividade em duas áreas do cérebro.
No córtex cingulado
anterior (CCA), região cerebral em grande parte responsável pela percepção de
contradições e de erros, e na região do córtex pré-frontal dorso-lateral
(CPFDL), o qual suprime a informação indesejada que não colida com as ideias
preexistentes. Esta área do cérebro, quando é activada, pode apagar da mente
consciente, as informações que se afigurem contraditórias. Mesmo cientistas
experientes e com bastante treino mental, os quais também sujeitos a esta experiência,
revelaram uma forte tendência para rejeitar informação que pusesse em causa os
seus pressupostos científicos.
Conclusão
Estes processos desencadeiam-se no nosso
subconsciente e por esse motivo torna-se difícil apercebermo-nos deles, contudo,
são importantes para a edição e rejeição de informações falsas e desempenham
bem a sua função como mecanismo de defesa.
Mas também podem inibir a capacidade
de reter informações correctas, o que representa um sério obstáculo, por
exemplo, para os cientistas que dedicam a sua vida à investigação e divulgação
de novos e revolucionários dados, principalmente quando estes colocam em causa
as nossas “certezas” sobre o Mundo e a natureza humana.
É também um obstáculo
para o resto de nós que procuramos manter uma mente aberta, expandir os nossos horizontes
e evoluir pacificamente.
Estas experiências revelam que as nossas
convicções podem cegar os pontos de vista alternativos e levar-nos a afirmações
dogmáticas contra temas, sobre os quais pouco ou nada sabemos. Inclusive, podem
levar-nos a cometer graves erros contra os outros e também contra nós.
Eratóstenes
não foi a única vítima da nossa falta de auto-conhecimento. Desde sempre se
cometeram inúmeras injustiças e atrocidades contra a humanidade, quer por razões
físicas/genéticas, culturais, políticas, ideológicas ou religiosas.
Mas ao invés do que
muitos afirmam, o ser humano não tem uma natureza violenta ou cruel, trata-se apenas
de uma consequência do instinto de sobrevivência, potenciado pela falta de conhecimento, a qual, entre outras, se
tem manifestado na inaptidão para compreender e aceitar a diferença.
Reflexão...
Donald, Kevin e Jonathan presentearam-nos
com informação valiosa, que podemos utilizar como mais uma poderosa arma contra
a injustiça. Uma vez em posse do conhecimento deste mecanismo de defesa do
nosso cérebro, podemos agora compreender melhor a nossa mente e aprender a
controlá-la. Não quer isto dizer que devemos começar a beber de tudo o que nos
quiserem servir mas, pelo menos, podemos ouvir o outro com mais
atenção e considerar e reflectir no que nos foi transmitido.
É uma questão que requer humildade de
modo a predispormo-nos a colocar em causa as nossas mais profundas suposições, já que quanto melhor nos conhecermos, melhor saberemos viver e, por conseguinte,
melhor será também a nossa contribuição para este mundo em que vivemos.
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