terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Porque Rejeitamos Novas Opiniões?


Professores universitários e especialistas em psicologia cognitiva e neurociência, descobriram que a resistência humana a novas informações deve-se fundamentalmente a um mecanismo de defesa processado pelo nosso cérebro. Este, quando confrontado com dados dissonantes dos preexistentes na nossa memória, ou seja, com informação que não se coadune com a que esperamos ou desejamos, activa de imediato um processo de rejeição que nos induz instintivamente a descartar o que acabámos de ver, ouvir ou ler.




Um pouco de História...

Em 255 a.C., há mais de dois mil anos, numa época em que ainda se pensava que o planeta Terra era plano, Eratóstenes (filósofo, matemático e geógrafo grego), ao ler um papiro numa biblioteca em Atenas, encontrou a informação de que na cidade de Siena (actualmente chamada de Assuão), a cerca de 800 km a sul de Alexandria, ao meio dia, do dia 21 de Junho (solstício de Verão), podia observar-se o fundo de um poço iluminado pelo Sol, ou seja, o Sol situava-se a prumo iluminando toda a área dos objectos e deste modo não havia sombras.

Eratóstenes resolveu então verificar o que aconteceria no mesmo dia do ano, à mesma hora, mas noutro local. Chegada a data, pôde constatar para sua surpresa que ao contrário de Siena, em Alexandria, as colunas e edifícios gregos projectavam sombras, o que indicava um desvio de alguns graus relativamente ao ângulo de incidência dos raios solares.

Esta observação levantou-lhe uma questão: Porque haveria sombras apenas num dos locais, no mesmo dia e à mesma hora? Eratóstenes intuiu correctamente: porque a Terra não é plana. Se assim fosse, as sombras seriam necessariamente iguais independentemente do local, uma vez que a fonte de luz tem uma massa consideravelmente superior à da Terra.

Reza a História que Eratóstenes terá mandado um escravo medir a passo a distância entre Siena e Alexandria e após analisar os dados, calculando a distância entre os dois locais relativamente ao ângulo de incidência dos raios solares em Alexandria, concluiu que a Terra além de redonda era também esférica. Mas não se ficou por aqui. Continuando a utilizar métodos de cálculo simples, determinou o raio e o diâmetro do nosso planeta com uma precisão superior a 90%.


Não acreditaram em Eratóstenes...

Foi uma descoberta grandiosa, sobretudo pelos métodos utilizados, mas ao contrário do esperado, Eratóstenes não foi bem sucedido na sua revelação. A comunidade intelectual não aceitou uma ideia tão revolucionária e que punha em causa a sua crença tão afincada: a Terra era plana e esse era o pensamento comum. A revelação de Eratóstenes foi descartada e o próprio desprezado, acabando por envelhecer e morrer só. Mais tarde, outros que o seguiram e que também o tentaram afirmar foram obrigados a negá-lo para escapar à morte na fogueira.

Tal como o filósofo John Locke disse: "Novas opiniões são sempre suspeitas e geralmente descartadas, apenas pelo facto de não serem comuns.” - A veracidade desta afirmação tem-nos sido demonstrada ao longo dos séculos, desde o início da História até aos nossos dias. Mas então o que limita a nossa vontade e capacidade de absorver novas ideias, justamente quando temos a intenção de transformar e evoluir?  Como podemos aprender a reconhecer a nossa própria intolerância quanto a ideias que refutam as nossas crenças vigentes e opiniões?

É complicado responder a estas questões, mas como resultado de uma pesquisa realizada pela Universidade de Yale, a neurociência, a psicologia social e a antropologia, oferecem-nos agora a possibilidade de combater as barreiras que coíbem a mudança das nossas próprias mentes e comportamentos.




1ª Experiência: Tendência natural ou coincidência?

Dr. Donald Braman, um professor universitário premiado por diversas áreas da ciência, nomeadamente a antropologia, liderou esta pesquisa, denominada The Cultural Cognition Project ou Projecto de Cognição Cultural. Para ele tornou-se essencial verificar se o ser humano é de facto naturalmente reticente à mudança ou se os inúmeros relatos históricos que o demonstram, como por exemplo o de Eratóstenes, seriam apenas infelizes acasos coincidentes.

Para o efeito e de modo a realizar a experiência, considerou que necessitava de pessoas pertencentes a dois grupos regidos por valores sócio-culturais distintos: um grupo de pessoas com um sentido individualista e outro com sentido comunitário. Recrutados os voluntários, a equipa de investigação deu início à experiência.

Na primeira fase, foram fornecidas a ambos os grupos, informações simples e precisas referentes a alterações climáticas e outras de carácter científico, mas que não fizessem parte do domínio de conhecimentos dos participantes. Na segunda fase, os voluntários teriam apenas de emitir as suas opiniões relativamente à informação apreendida.

Voluntários descartaram a informação fornecida...

De acordo com Braman, a informação científica que as pessoas de ambos os grupos receberam, não teve qualquer impacto na formulação das suas ideias. As opiniões emitidas basearam-se essencialmente em pensamentos preconcebidos somente apoiados em juízos de valor, ou seja, ideias e conceitos que estavam previamente presentes nas suas memórias. A equipa de investigação verificou apenas uma diferença entre a emissão de opiniões dos dois grupos. O grupo de pessoas com sentido individualista apresentou juízos de valor na sua maioria negativos ou depreciativos, enquanto o grupo de pessoas com sentido comunitário demonstrou particular tendência para salientar os aspectos positivos dos assuntos. De qualquer modo, ambos os grupos ignoraram os dados científicos referentes aos temas sugeridos e debatidos na experiência.

Dr. Donald Braman concluiu assim que as percepções da sociedade em geral são mais moldadas por crenças culturais do que, por exemplo no campo da ciência, por dados científicos. Tal como a História do Mundo nos tem vindo a revelar ao longo dos tempos...




2ª Experiência: Por que motivo a mente rejeita novas opiniões?

A experiência de Braman mostrou-nos apenas que vigora uma tendência natural para o ser humano rejeitar opiniões e até mesmo factos que contrariem as suas ideias preconcebidas, mas o motivo pelo qual a mente humana reage deste modo, foi-nos desvendado por Kevin Dunbar e Jonathan Fugelsang.

Ambos professores universitários, especialistas em psicologia cognitiva e neurociência, descobriram que a resistência humana a novas informações deve-se fundamentalmente a um mecanismo de defesa processado pelo nosso cérebro. Este, quando confrontado com dados dissonantes dos preexistentes na nossa memória, ou seja, com informação que não se coadune com a que esperamos ou desejamos, activa de imediato um processo de rejeição que nos induz instintivamente a descartar o que acabámos de ver, ouvir ou ler.

Kevin e Jonathan desenvolveram uma experiência semelhante à de Donald Braman, acima relatada, mas com uma componente mais tecnológica do que cultural.

De igual modo foram recrutadas pessoas sendo-lhes transmitidas informações simples e precisas, subordinadas a temas que não se integrassem no conhecimento geral. Mas desta feita, a actividade cerebral dos participantes era monitorizada por aparelhos de ressonância magnética para permitir aos pesquisadores identificar que regiões do cérebro seriam estimuladas. À medida que a informação lhes era transmitida, Kevin e Jonathan verificavam actividade em duas áreas do cérebro.

No córtex cingulado anterior (CCA), região cerebral em grande parte responsável pela percepção de contradições e de erros, e na região do córtex pré-frontal dorso-lateral (CPFDL), o qual suprime a informação indesejada que não colida com as ideias preexistentes. Esta área do cérebro, quando é activada, pode apagar da mente consciente, as informações que se afigurem contraditórias. Mesmo cientistas experientes e com bastante treino mental, os quais também sujeitos a esta experiência, revelaram uma forte tendência para rejeitar informação que pusesse em causa os seus pressupostos científicos.


Conclusão

Estes processos desencadeiam-se no nosso subconsciente e por esse motivo torna-se difícil apercebermo-nos deles, contudo, são importantes para a edição e rejeição de informações falsas e desempenham bem a sua função como mecanismo de defesa.

Mas também podem inibir a capacidade de reter informações correctas, o que representa um sério obstáculo, por exemplo, para os cientistas que dedicam a sua vida à investigação e divulgação de novos e revolucionários dados, principalmente quando estes colocam em causa as nossas “certezas” sobre o Mundo e a natureza humana.

É também um obstáculo para o resto de nós que procuramos manter uma mente aberta, expandir os nossos horizontes e evoluir pacificamente.

Estas experiências revelam que as nossas convicções podem cegar os pontos de vista alternativos e levar-nos a afirmações dogmáticas contra temas, sobre os quais pouco ou nada sabemos. Inclusive, podem levar-nos a cometer graves erros contra os outros e também contra nós.

Eratóstenes não foi a única vítima da nossa falta de auto-conhecimento. Desde sempre se cometeram inúmeras injustiças e atrocidades contra a humanidade, quer por razões físicas/genéticas, culturais, políticas, ideológicas ou religiosas.

Mas ao invés do que muitos afirmam, o ser humano não tem uma natureza violenta ou cruel, trata-se apenas de uma consequência do instinto de sobrevivência, potenciado pela falta de conhecimento, a qual, entre outras, se tem manifestado na inaptidão para compreender e aceitar a diferença.



Reflexão...

Donald, Kevin e Jonathan presentearam-nos com informação valiosa, que podemos utilizar como mais uma poderosa arma contra a injustiça. Uma vez em posse do conhecimento deste mecanismo de defesa do nosso cérebro, podemos agora compreender melhor a nossa mente e aprender a controlá-la. Não quer isto dizer que devemos começar a beber de tudo o que nos quiserem servir mas, pelo menos, podemos ouvir o outro com mais atenção e considerar e reflectir no que nos foi transmitido.

É uma questão que requer humildade de modo a predispormo-nos a colocar em causa as nossas mais profundas suposições, já que quanto melhor nos conhecermos, melhor saberemos viver e, por conseguinte, melhor será também a nossa contribuição para este mundo em que vivemos.

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